O Mito Funcionalista
O Mito Funcionalista
por Rafael Mattos
Com o nascimento da sociedade consumo, a partir da Revolução Industrial, há o surgimento de gerações de profissionais interessados em projetar, configurar e finalmente fabricar artefatos e mercadorias, de forma mais atraente e eficiente para o consumidor. Neste momento, surgia a ideia de fitness for purpose, ou no alemão, Zweckmässigkeit, conceitos que se traduzem resumidamente no lema: “a forma segue a função.
Este momento marcante na produção industrial, que ao mesmo tempo, praticamente originava a disciplina de Design como conhecemos hoje, já surgia com esta ideia como máxima. “A visão de que “forma” e “função” seriam o cerne das preocupações do designer persistiu por bastante tempo. Em âmbito internacional, ela começou a ser questionada na década de 1960, paralelamente ao surgimento da contracultura.” (CARDOSO, 2010, p.5).
Porém essa ideia não poderia se fazer inquestionável, principalmente mediante a tantas mudanças de contexto político-econômico global, afetando tão diretamente nas atividades de produção industrial, e consequentemente de projeto de design. Nos anos 1970, com o lançamento de “Design para o mundo real”, Papanek não poupou críticas ao funcionalismo quando afirmou que: “A concepção de que aquilo que funciona bem terá necessariamente uma boa aparência serviu de desculpa débil para todo o mobiliário e os utensílios estéreis, com cara hospitalar, dos anos 1920 e 1930.” (PAPANEK, 1974, p. 19 apud CARSOSO, 2010, p. 6).
Dessa forma, ao realizar essa análise histórica do início das atividades projetuais a partir da era industrial, partimos do entendimento de que: “(...) o pensamento sobre design que surgiu da primeira fase da industrialização tinha a “adequação ao propósito” como regra norteadora para a configuração dos objetos.” (CARDOSO, 2010, p. 10). No entanto, ainda é imprescindível compreender a origem e significado desta ideia.
No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant, cunhou o termo Zweckmässigkeit, como sinônimo de “adequação”, “conveniência”, “funcionalidade”. Porém ao analisar o termo mais precisamente, seu significado literal passa a ser “a condição de estar na medida do propósito”. Sobre o feito de Kant, Cardoso afirma:
Tirando proveito da incrível capacidade da língua alemã de criar novos sentidos a partir da junção de palavras, Kant introduziu como parte de sua discussão do conceito da beleza a ideia de “conformidade a fins” – ou, traduzido de modo mais preciso, “adequação ao propósito” (CARDOSO, 2010, p. 10-11).
Posteriormente, este conceito de Kant se tornaria base para teorias funcionalistas na área da estética, da arquitetura e por fim, no design. Porém, sendo a “adequação ao propósito” um conceito abstrato, seria possível que fossem expressos e percebidos materialmente, através dos sentidos? Essa questão nos faz ponderar até que ponto haveria veracidade ou aplicação prática na afirmação de que “a forma segue a função”.
Podemos observar um artefato e dizer que ele é cafona e decadente ou sofisticado e imponente, neste momento: “Atribuímos uma qualidade ao objeto que, no fundo, não deriva dele, mas de nosso repertório cultural e pressupostos.” (CARDOSO, 2010, p. 11). No entanto, como seria possível observar um artefato e afirmar que ele é confortável, prático, eficiente ou robusto? Essas qualidades não poderiam ser julgadas com o olhar em si, mas sim pela sensação física que se adquire ao ter uma experiência de uso com o objeto.
Seria absurdo supor que se pode somente olhar um objeto e dizer que ele cumpre seu propósito, ou seja, que é funcional. Ainda assim, “(...) quase toda a discussão sobre a funcionalidade no século XX partiu da premissa oculta de que se pode julgar a adequação do objeto apenas ao examiná-lo com o olhar” (CARDOSO, 2010, p. 11).
Portanto, quando se usa o adjetivo “funcional” para descrever a aparência de um artefato, ao invés de descrever sobre seu funcionamento, Cardoso explica que:
Geralmente, o que se quer dizer com isso é que ele corresponde a uma fórmula estilística e a preceitos formais derivados da época do modernismo internacional, sendo os principais: a ausência de ornamento; o despojamento de sua estrutura; a correspondência de sua configuração à geometria euclidiana; e a restrição da paleta de cores, com predileção por cores sólidas ou primárias (CARDOSO, 2010, p. 47)
O mito funcionalista, de que “a forma segue a função”, é uma crença secular dentro da área do Design. Ela buscou afirmar que seria por meio da criação de uma forma específica, que cumprisse certos valores estéticos, que se poderia afirmar que um artefato cumpre ou não cumpre sua função. Ignorando dessa forma, os quesitos práticos relacionados ao funcionamento, operação do artefato, logo, ligados à experiência humana com o objeto. Desconsiderando a importância das sensações físico-sensoriais, assim como emocionais que o objeto desperta no momento da interação.
Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/982966/5-arquitetos-iconicos-que-desenharam-moveis-aalto-gray-le-corbusier-van-der-rohe-e-panton Acesso em: 20/08/2024
Referências Bibliográficas:
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
Texto desenvolvido por Rafael Mattos e Silva para a disciplina Teoria do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - 2024. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).
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